AVISO AOS NAVEGANTES:
Aqui está sendo postada uma fanfic de Harry Potter, com ship Draco/Harry.
Não gosta? Não leia.
Gosta? Seja bem vindo e, por favor, comente!
Sim, essa é a mesma fic que estava sendo postada no fanfiction.net.
Saí de lá, pois o site não me deixava adicionar novos capítulos nem escrever uma nova história, mesmo depois de fazer outro profile e enviar inúmeros emails pedindo ajuda ao suporte. Espero ver todos os meus leitores do outro site, aqui!
Sejam todos muito bem vindos!
A quem ainda não leu, os capítulos se encontram organizados no Arquivo, por número e nome. Estejam à vontade para dar opiniões.
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Quarto capítulo. O capítulo mais comprido da história até agora, nesse capítulo desejei demonstrar um pouco da dinâmica da família Malfoy. Espero que gostem do meu Lucius e Narcisa. Ps.: O que acharam de Harry no capítulo anterior?
Beijos a todos! Boa leitura:
- Capítulo 4 -
Jantar em Família
Mas sabemos que o desejo é o seu lado mais anárquico e contrário à unidade do próprio homem."
(Agustina Bessa-Luís, in "Contemplação Carinhosa da Angústia")
"Eu entendo que você fez um novo acordo com o Ministério"
Draco conteve-se para não suspirar. Ele nunca demonstraria nenhum sinal de contrariedade ao seu pai. Contudo, ele mastigou cuidadosamente o faisão assado, provando do sabor, limpou os lábios, bebeu um gole de vinho tinto, tudo deliberadamente lento e cauteloso, antes de finalmente se dignar a responder. Ele sabia o quanto aquilo irritava o pai. Mas também sabia que Lucius não poderia repreendê-lo por estar sendo impecavelmente educado, e assim era sua forma de vingar-se do pai. O loiro ainda remexeu a taça de cristal entre os dedos delicadamente considerando um segundo gole, mas ele podia sentir a energia de seu pai tremer do outro lado da mesa, por isso achou que já era suficiente.
Quando ergueu os olhos para responder, sua mãe, sentada ao lado de seu pai, fitava a ambos com uma expressão aborrecida. Ela não gostava daqueles jogos entre eles. Contudo, o jovem sonserino não deixou de notar um brilho orgulhoso no olhar dela ao olhar o filho de canto de olho enquanto continuava a comer como se não tivesse absolutamente notado o tom do marido. Ela o ensinara a manejar o pai exatamente como ela própria o manejava por tantos anos de casamento. E Draco aprendera com primor.
"Entendo, pai, que esteja falando sobre nosso novo dispositivo de segurança para o Ministério."
Ele sempre tinha o cuidado de usar os verbos possessivos no plural quando se tratava das empresas. Não era simples desejo de fazer com que o pai se sentisse incluído, mas sim evitar que Lucius sentisse que o filho estava tentando tomar-lhe o lugar. Não se deve irritar o lobo chefe da matilha antes de ter a certeza de poder derrotá-lo definitivamente numa briga e assumir seu lugar.
"Entende corretamente, filho meu. Estava imaginando quando pretendia me contar sobre isso."
O tom de Lucius era severo e rígido. Narcisa resolveu intervir pela primeira vez na noite desde que recebera e cumprimentara Draco junto à porta, sua voz suave e despreocupada fazia o marido parecer um tutor tentando repreender o aluno mais exemplar da turma.
"Tenho certeza de que Draco iria nos contar com prazer quando fosse o momento adequado, meu senhor. Nosso filho não gosta de fazer as coisas pela metade e noticiar o que poderia vir a acontecer."
O loiro mais jovem não pôde deixar de destinar um discreto sorriso àquela que sempre seria sua protetora naquela casa. Todavia o fazia de um jeito que apenas a mãe entenderia que se destinava a ela. E o modo como ela o olhou por sobre a taça enquanto bebia, o fez entender que ela compreendera.
"Como sempre sua esposa retém a sensatez meu pai. Sim, mãe, eu ia lhes contar, mas não agora, pois o acordo ainda não foi fechado e o futuro do que ainda é um protótipo está nublado para mim. Mas sim, meu pai. Estamos desenvolvendo um novo dispositivo que tornará possível a detecção de indivíduos sob o encantamento da poção polissuco que atravessarem as lareiras do Ministério."
O jovem Malfoy explicou diplomaticamente tornando a ingerir a comida e mastigando pacientemente enquanto evitava desse modo por mais um tempo os olhos cinzentos e frios do mais velho. Lucius tinha uma expressão severa e lá no fundo, Draco sabia que a raiva queimava nele. Entretanto não havia nada que ele pudesse fazer para expressá-la. O filho não cometera nenhuma falha.
"Fico grato em perceber que a sensatez de sua mãe se encontra em você, meu herdeiro. Gostaria, no entanto que fosses um pouco mais semelhante ao seu pai e compartilhasse com ele suas idéias com mais freqüência. Principalmente no que concerne em um contrato de tamanha importância para o futuro de uma das empresas Malfoy. Espero não ter de lembrar-lhe outra vez que elas não lhe pertencem para decidir-lhes o futuro. Não ainda."
Um leve contrair do maxilar. Mais comida, mais vinho. Ele não sabia de que forma o pai chegara a obter esse conhecimento sobre seus planos. É claro que adivinhava que ele continha empregados fiéis que vigiavam pra ele cada passo do filho, porém ele não poderia identificá-los e eliminá-los como desejava. Seria como uma afronta velada, o resultado poderia ser desastroso. O jovem dragão aceitaria a reprimenda com classe e perfeita educação de um oficial mais novo se dirigindo a um general no fim da carreira mas a quem antigas batalhas ainda lhe davam a devida quantia de respeito.
"Reconheço que foi um erro, pai meu." Ele proferiu de modo formal. O tom da perfeita humildade, enquanto o brilho dos olhos prateados - tão parecidos com os do pai - mostravam o sabor doce da vitória."Deveria tê-lo consultado, de fato. Porém permita-me adicionar que esta era para ser uma surpresa, quando tudo estivesse pronto, eu lhe contaria, com a ressalva de que, estando contra a sua vontade, tudo seria imediatamente desfeito. Pensei que gostaria de ver um trabalho genuíno meu para levantar a empresa que você mesmo colocou sob minha jurisdição. Sei bem que ela não me pertence. Mas sei também que o mais humilde diretor-executivo, mesmo não relacionado, tem direito a fazer escolhas para a empresa se julgá-las frutíferas, sem pedir autorização para cada passo."
Lucius não tinha o que responder a isso e seu filho sabia muito bem disso. Mais uma vez Draco pode sentir as ondas de orgulho que emanavam de sua mãe, e as de frieza e análise que vinham do pai. Por um momento, o rapaz chegou a pensar que o pai chegaria a negar-lhe o contrato, dizer então que sua vontade era que tudo fosse desfeito, apenas para se impôr perante o filho. Mas ele não o fez. Ao invés disso buscou a recompensa da vingança ao retratar o assunto que sempre consternava seu herdeiro.
"Presumo que a idéia de tal dispositivo tenha nascido da invasão que certo auror e seus lacaios fizeram ao Ministério quatro anos atrás."
A frase teve o efeito desejado, porém Lucius jamais saberia disso. Draco sentiu a comida descer com dificuldade e por um instante os olhos verdes estavam de novo à sua frente, reais, caloroso, encabulados, receosos, e as palavras ditas dois dias atrás lhe soaram aos ouvidos outra vez. "Pensei que poderíamos ser amigos.". Ser amigos. O sonserino deixou que o ar lhe escapasse suavemente para não fazer barulho e de repente o banquete primorosamente escolhido por sua mãe já não lhe apetecia mais. Ele depôs os talheres e limpou os lábios, endireitando a postura e fitando o pai com ar de desinteresse enquanto respondia.
"Presumo que sim. Mas não importa realmente a origem da idéia e sim que ela é vendável e por um valor excelente, o qual pretendo lhe informar mais tarde. Penso, porém, que por agora estamos aborrecendo nossa dama com conversas de negócios e desfazendo assim de seu cuidado ao preparar esse jantar para nós. Não é minha mãe?"
Narcisa lhe sorriu. Os lábios bem feitos num gesto de reciprocidade e carinho, mas antes que ela pudesse mudar os rumos da conversa, seu marido interveio outra vez, com a primorosa educação em atingir polidamente o adversário. Ele não sentia remorso nenhum por afligir o filho. Se ele não aprendesse a se defender em sua própria casa, seria devorado vivo lá fora.
"Claro, Draco, creio que tenha razão. Já que é assim, se vamos falar de eventos sociais tão agradáveis à minha esposa. Conte-me minha dama, como foi o casamento mais comentado das últimas semanas?"
A senhora Malfoy contraiu ligeiramente os lábios. Ela não sabia por que, mas sabia bem o que mencionar o garoto Potter fazia ao seu filho, e ela conhecia as intenções de seu marido ao fazê-lo. Seus olhos azuis buscaram o olhar cinzento do filho e só ela podia ver a contrariedade que eles continham, respondeu olhando pra ele.
"Não houve nele a presença de muitos de nosso círculo, como bem sabe, meu marido. Mas dizem que foi um evento e tanto a despeito das origens da família da noiva. O Ministério proveu honras aos noivos, e Minerva McGonagall permitiu que fosse realizado nos próprios terrenos de Hogwarts. Diz-se que até os centauros apareceram para prover seu respeito ao salvador do mundo bruxo."
Draco respirou aliviado. Ele tinha certeza que a mãe sabia que ele estivera presente no casamento. Porém sentiu a gratidão preencher sua mente ao perceber que ela também sabia o quanto ele não desejava que fosse de conhecimento do pai. Lucius ainda fez algumas perguntas concernentes ao casamento, às quais Narcisa respondeu com perfeição, os olhos nunca longe do filho, da mesma maneira que os olhos do marido não saíam dela. E por fim tinha terminado. Draco sobrevivera a mais um jantar da família Malfoy. Ele ainda iria conversar com o pai sobre negócios enquanto tomavam uma dose de uísque, mas teria alguns minutos para se recuperar antes do próximo round.
O jovem bruxo trajava uma veste verde escuro de mangas compridas e corte elegante e justo, com punhos largos dobrados pra trás. Ela lhe descia até os joelhos atrás, sendo mais curta na frente como uma casaca, os botões da manga abertos deixavam ver a camisa branca por baixo e a frente aberta mostrava o colete prata com desenhos lineares no mesmo tom profundo da veste. Calças de camurça cinza claro e sapatos afivelados negros, com meias brancas, concluíam o conjunto. A roupagem lhe envolvia perfeitamente o corpo desenvolvido pelos exercícios diários que ele fazia questão de praticar. Assim como o pai, ele sabia o quanto uma imagem perfeita poderia ser decisiva nos negócios. Se fosse desleixado com o próprio corpo, como o julgariam capaz de ser cuidadoso e primoroso com os acordos que fizesse? Não. Ele aprendera cada regra do jogo social e as cumpria à risca.
Cada jantar era assim. Uma vez por semana, Draco ia mais cedo para casa. Tirava o disfarce trouxa. Banhava-se, arrumava-se, escolhia o traje mais impecável possível dentre suas melhores vestes bruxas. Dirigia-se até a casa dos pais chegando perfeitamente pontual. Era recebido por um beijo suave da mãe que lhe recolhia o casaco e se sentava com ela para conversar na sala. Dentro de alguns minutos o pai chegava e os homens Malfoy se cumprimentavam com acenos de cabeça. Draco fazia algum comentário sobre o que ouvira de negócios nos jornais. Lucius dava sua opinião ácida e certeira, e chegava a hora da comida. Ou seria a hora da tortura? Lucius guardava todos os assuntos mais espinhosos para aquele momento. Enquanto comiam, ele analisaria o filho e viraria cada detalhe da sua vida do avesso, distribuindo censuras ácidas e, raramente, reconhecendo-lhe sucessos com elogios contidos. A mãe ficaria calada na maior parte do tempo, intervindo uma ou outra vez em favor do filho. Então o pai se afastava para o escritório e Draco respirava um pouco antes de ir ao seu encontro.
Estava agora junto à sacada, respirando o ar frio da noite, fitando sem se impressionar a extensão do terreno da propriedade familiar dos pais, coberta por espessa grama macia, gigantescas árvores antigas, animais e flores raros, sendo que tudo se encontrava no mesmo tom cinzento sob a luz das estrelas. O loiro passou os dedos pela franja que lhe caía nos olhos num gesto comum desde que começara a deixar os cabelos crescerem – e eles se encontravam agora um pouco abaixo das orelhas. E deixou enfim sair o suspiro que estivera prendendo.
Ouvir Narcisa discorrer por quase meia hora sobre aquele casamento com tantos detalhes fora ainda mais difícil do que ele imaginara. O pai sabia exatamente como torturá-lo com paciência oriental e uma eficiência militar. Toda pompa e circunstância para um casamento fadado ao fim. Um evento fúnebre teria sido mais adequado. Ah. Como Draco quisera entrar nos aposentos do noivo antes do casamento, arrancá-lo da casaca negra de veludo, prende-lo pela gravata de seda branca, devorar os lábios macios, desalinhar aquele ar de bom moço apaixonado e ouvir os gemidos que nem sua adorável noiva seria capaz de arrancar dele. Queria ouvi-lo dizer, com todas as palavras, pedir que o levasse dali, que não o deixasse fazer a coisa que Draco sabia ser a maior estupidez da vida do moreno.
O loiro estremeceu, sentindo a respiração ofegante e os lábios pareciam quentes e úmidos como se marcados por aqueles beijos imaginários, as mãos agarravam a barra de ferro da sacada e o corpo estremecia de leve. Ah. Ele o teria levado de lá, teria sumido com ele. Qualquer lugar. Qualquer lugar seria bom. Uma elevação, um chão gramado, não importava, não precisava ser uma cama com luxos e confortos. Sua primorosa educação pouco influenciava naquele instante. Qualquer lugar desde que ele tivesse a pele morena nas mãos e na boca por tanto tempo quanto lhe fosse permitido. Desde que ele tivesse nos ouvidos só os gemidos angustiados, nos olhos só as curvas esguias e o verde em delírio, nos dedos só os cabelos negros e para todos os seus desejos mais brutais, a mais irrestrita entrega.
Mesmo há dois dias ele quisera então tê-lo feito. Aquela maciça escrivaninha de madeira negra lhe parecera um obstáculo insuportável. Ele quisera ter saltado sobre ela, derrubado aquele ser inconveniente, arrancado com as unhas aqueles trapos que o outro chamava de roupas, tirar-lhe a sanidade e puni-lo. Castigá-lo, castigá-lo por cada minuto em que o griffinório lhe roubara a razão durante aqueles dez anos da sua vida. Como agora. E o fogo líquido que lhe queimava as veias era também amargo, amargo de rancor, de ódio por aquele ser moreno que tinha lhe tinha tomado a paz e que nunca mais a devolvera.
Subtamente, caiu em si com um jornal que lhe era posto a frente dos olhos. O sonserino ainda demorou para compreender o que era aquilo. Tinha ainda o corpo estremecido e os músculos tensionados. Sua mãe lhe mostrava uma foto da coluna social do Profeta. Sua mãe. Desprezou-se ainda mais. Como podia ter tais pensamentos, desejos e ilusões, quando ela estivera apenas ali, no outro cômodo? Era realmente aquém do desprezível. A coluna noticiaria era a que ele vinha evitando ler há muito tempo. Agora percebera o quanto tinha errado ao fitar quem se encontrava naquela foto.
A imagem era do casamento Potter-Weasley, um jornal de semanas atrás, mostrava os noivos sorridentes um olhando para o outro junto do altar. Mas para quem observasse bem, bem ali no canto direito, entre tantas outras pessoas, era possível ver uma cabeça loura conhecida, que desviava os olhos de prata pelos outros presentes com desdém, os cabelos brancos na foto bicolor, e entre os nomes de convidados ilustres... Draco Malfoy.
Draco franziu as sobrancelhas e contraiu a mandíbula com a desagradável surpresa. Ele se virou para encontrar os olhos de sua mãe e estes estavam sérios. O rapaz tomou o jornal que lhe era oferecido e com um gesto rápido ao apanhar a varinha dentro das vestes e uma palavra o papel já queimava diante dos seus olhos. O jovem Malfoy deixou que a prova virasse cinzas e a jogou aos seus pés, despedaçando-a e vendo o vento carregar as migalhas.
"Não pode queimar todos os jornais da Inglaterra."
Foi o murmúrio cálido de sua mãe. Tinha nele deboche, mas também um carinho implícito no modo como a mão branca pousou no punho cerrado do filho que agora voltara a fitar a noite.
"Não. Não posso."
"Eu não contei nada a ele, pequeno dragão, mas eu tenho certeza que ele já sabe. A abordagem do assunto não foi aleatória hoje."
Diante da mãe que lhe afagava o braço, o loiro deixou o ar escapar com força e pressionou a testa como sempre fazia quando contrariado e frustrado.
"Eu recebi um convite."
Ele proclamou em tom defensivo e ríspido.
"Eu sabia."
Draco a olhou com as sobrancelhas arqueadas e Narcisa sorriu, alisando-lhe as rugas.
"Você jamais entraria de penetra numa festa, meu filho"
Ela esclareceu com simplicidade.
"Por que acha que recebeu esse convite?"
"Eu não sei." Ele moveu os lábios de um lado para o outro, confuso. "Eu apenas recebi. E decidi comparecer. Pensei que seria... Não sei o que pensei. Acho que só queria ir. Só isso. Não fiquei muito tempo. Parti assim que os votos foram dados. E levei o presente adequado. Não vejo como ele pode me condenar por isso."
"Não há nada de condenável, de fato." E a face dela não mostrava ironia ou sarcasmo, e logo ela a desviou para o jardim cinzento. "Mas o fato de você não tê-lo mencionado abre espaço para conjecturas. Conjecturas que alfinetam a mente de seu pai e também a minha já há dez anos. E quando seu pai fica... Intrigado sobre algo, ele fica também perigoso." Os dois trocaram um olhar de entendimento e ela se postou na ponta dos pés para beijar a testa do filho que já era agora um homem feito de corpo e mente. "Você deve ir agora. Apenas esteja alerta meu dragãozinho."
O garoto sentiu o beijo suave e antes que ela pudesse entrar na casa novamente, as palavras lhe escaparam da boca, incomodamente, impensadas.
"Você não deseja saber?"
Um sorriso que o outro julgou divertido brincou nos lábios da bela dama por uns instantes. Depois ela deu de ombros delicadamente.
"Eu conheço o coração dos homens da família Malfoy, Draco, eu não creio que precise me dizer algo que eu já sei."
Então ela o deixou. Draco ficou ali um instante completamente desconcertado. Será que ela estava dizendo a verdade? Será que realmente sabia das trevas que atormentavam os cantos mais obscuros de sua mente? Depois tomou fôlego, ajeitou as vestes já impecáveis e tirando novamente a franja dos olhos, caminhou pra dentro em direção ao escritório do pai.
Lucius já o esperava. Sentado em sua poltrona de couro negro, o senhor Malfoy sorriu educadamente para o filho e sem se levantar indicou o pequeno sofá branco com um gesto, à frente do qual numa mesinha já se encontrava o copo pronto para o filho. Draco inclinou a cabeça em respeito e sentou-se, tomando um bom gole da bebida ardente antes de começar a briga.
Não foi tão ruim quanto ele esperava. Eles conversaram durante muito tempo sobre vários assuntos da empresa sem que ele ouvisse uma crítica muito pesada, ou sem que o pai finalmente chegasse ao assunto que os trazia ali. Por fim, lorde Malfoy deixou o copo na mesinha e cruzou a perna, juntando a ponta dos dedos ao apoiar os cotovelos e encarando o filho como se quisesse ser capaz de penetrar naquele espelho prata de seus próprios olhos e conhecer os seus segredos mais desesperadores. Draco uniu todas as suas forças para sequer estremecer diante do olhar do pai e também pousou seu copo na mesa, não tirando os olhos do outro em momento algum, e recostando-se ao sofá numa posição que parecia perfeitamente relaxada. Os dois Malfoy se encararam durante longos minutos antes que a sombra de um sorriso, se é que tal expressão perversa pudesse ser chamada de sorriso, cruzou os lábios do loiro mais velho.
"Coisas engraçadas... São os jornais, não acha, filho meu?"
"Não sei exatamente a que se refere, meu pai."
Respondeu um impassível Draco. Parte dele estava aliviada por finalmente terem chegado aquele ponto.
"Você vê... É deveras engraçado, que tenhamos que buscar nos jornais informações que nossos próprios parentes não nos fornecem."
Como ele queria baixar os olhos, como queria fugir, arranjar uma desculpa, ir pra casa. Ao invés disso apenas continuou a sustentar o olhar cruel.
"Sinto que tais aflições atinjam seu coração, pai meu. E se de alguma forma tenho parte nisso, peço que me perdoe."
"Acho que sabes exatamente a parte que lhe cabe nisso, filho meu."
Novo impasse. Eram como lobos a se encarar. O lobo mais velho estudando avidamente o lobo jovem, buscando nele qualquer indício de que já se tornara um perigo. O lobo jovem buscando abaixar as orelhas e esconder inocentemente as presas numa atitude submissa. Ambos mantendo poses extremamente relaxadas. Ambos com olhares faiscantes de tensão. Narcisa tinha razão, havia intrigues, curiosidade nos olhos do pai. Ele não compreendia os motivos daquele assunto atingir o filho, mas isso não o impedia de usar essa influencia pra conseguir o que queria sempre que precisava.
"Sinto que tenha razão, pai meu. Não imaginei antes, porém, que tal assunto fosse lhe afligir dessa maneira ou o teria mencionado anteriormente. Não julguei de extrema importância o fato de ter recebido um convite como tantos outros que recebo diariamente da sociedade londrina."
"Penso que não escapa, porém, à sua aguçada percepção, meu Draco, o quanto esse evento não foi apenas mais um, mas sim de extrema importância social, para nós e para as empresas, e o quanto eu teria adorado prover as honras e felicitações das empresas Malfoy para os noivos."
Finalmente o loiro mais jovem deixou a guarda cair. Ele franziu as sobrancelhas, os olhos se desfocando ligeiramente, confuso. Não tinha sequer chegado a pensar naquilo. Que seria de fato, adequado, que as empresas tivessem formalmente deixado suas felicitações e talvez um presente mais indicativo do que o que ele deu.
"Perdoe-me, pai meu. Eu realmente não estava enxergando as coisas com clareza e deveria ter lhe falado antes de tomar qualquer decisão a esse respeito. Não vi a importância do evento e por isso não julguei que fosse necessário contatá-lo. Eu estava errado."
Se Draco estivesse olhando para o pai naquele instante, ele teria notado a satisfação em seus olhos. No entanto não se tratava de uma satisfação debochada. Era uma satisfação mesclada com orgulho. Seu filho aprendia depressa, e a despeito do seu orgulho teimoso, ele sabia reconhecer seus erros com dignidade.
"Apenas lembre-se de consultar-me da próxima vez, Draco, para que eu possa corretamente orientá-lo. Você já tem uma visão bastante abrangente do que é necessário, mas ainda não está completa. É por isso que eu ainda sou o presidente maior da empresa que lhe destinei."
O jovem loiro ergueu os olhos ao ouvir o tom brando do pai, e descobriu ali o orgulho que ele lhe tinha, sentindo-se imediatamente confiante de novo. Sim. Seu pai era severo, cruel, detalhista, exigente, mas Draco correspondia perfeitamente às suas expectativas o que sempre o deixava orgulhoso. Ser o orgulho de seu pai era seu maior prazer. Um prazer um tanto masoquista, é verdade, pelo tanto de esforço que demandava, mas ainda assim era algo pelo qual ele lutava.
"Não esquecerei, meu pai."
"Draco?"
"Sim."
O loiro tornou a franzir a testa, fitando o pai com curiosidade. A tempestade não tinha passado ainda? Lucius se inclinou e pegou seu copo vazio, rodando o dedo pela borda enquanto falava.
"Uma das coisas que ainda escapam à sua percepção meu filho, é o quanto uma vontade interrompida pode ser inconveniente para os negócios."
Draco tentou dizer algo, confuso, mas o pai continuou sem lhe dar chance, virando os olhos inquisidores para o copo que dedilhava, fugindo das perguntas do filho.
"Você vê, dragão, existem duas maneiras de lidar com uma vontade que tortura um homem. Você pode sufocá-la. E isso funciona para a maioria delas. Ou. Depois de algum tempo. Você pode admitir que alguma em particular não vai permitir que você a sufoque e exige que se tome alguma outra atitude. Talvez, a possibilidade que esteja lhe escapando, filho meu, é a possibilidade de cumpri-la. Um desejo é só um desejo desde que não tome conta de nós. E realizá-lo pode ser simples. Só realizá-lo para então poder afinal esquecer."
Lucius tornou a erguer seus olhos para o filho e eles continham malícia, percepção e diversão. O mais novo o olhava de volta sem saber o que dizer. Seu maxilar tensionado, o sangue pulsando em suas veias fazendo estremecer sua respiração. O quanto ele sabia? O que ele sabia? Draco pensou que poderia explodir naquele instante. Tamanho esforço ele fizera para manter-se uma máscara impassível e ambos seus pais o desmascaravam na mesma noite sem qualquer esforço. Os lábios de seu pai quase sorriam quando ele se levantou, e Draco imitou-lhe o movimento, ficando em pé, ainda confuso.
"Do que exatamente está falando, meu pai?"
Lucius o fitou por um instante, como se escolhendo as palavras.
"Não conheço todos os segredos de seu coração, dragão, mas conheço um homem torturado quando vejo um. Seja lá qual for esse desejo não permita que ele o destrua. Às vezes um adversário precisa pensar que nos têm em mãos para que possamos dar o golpe definitivo. Você está para se tornar um executivo muito bom para ser destruído antes mesmo de começar por um simples desejo sufocado."
Draco franziu as sobrancelhas, mas inclinou a cabeça em aceitação e respeito.
"Agradeço meu pai."
Murmurou, então se dirigiu para a porta. Porém quando sua mão chegou à maçaneta, ele ouviu o chamado suave outra vez. Virou-se para o pai que agora estava de costas, preparando outro drinque pra si. Draco pensou que mesmo o outro estando de costas ele podia ver o sorriso indecifrável do pai.
"Ah, dragão."
"Sim, meu pai."
"Hoje de manhã fechamos um acordo muito importante na companhia de poções curativas Malfoy. Um acordo com antigos rivais que nos fornecerá um lucro bastante exorbitante e futura vantagem em outros negócios semelhantes. Antigos rivais... Simpatizantes de sangue ruins e trouxas." O rapaz estacou, vendo o pai afinal se virar e erguer o copo ao ar como um brinde à sua saúde antes de beber. "Foi um bom acordo." Disse por fim, após um bom gole. Draco se permitiu um sorriso.
"Fico satisfeito em sabê-lo, pai meu."
E com a certeza de que o pai finalmente aprovara sua medida com o Ministério Trouxa, o jovem Malfoy partiu pra casa com uma mistura de confusão, ansiedade, expectativa... E satisfação. Finalmente. Satisfação.
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